



O copo de requeijão é único na história do design de embalagem brasileiro. Ele é apropriado como objeto pelo consumidor, conferindo, assim, uma nova e longa vida a uma mera embalagem. Este fenômeno acontece de forma não orquestrada e em escala massiva em todo o Brasil.
No entanto, recentemente as marcas começaram a substituir embalagens de vidro por plástico, mantendo o design. A embalagem-copo, como se conhecia, é ameaçada de extinção, modificando relações já estabelecidas.
Pesquisa Formal e Informal
Num estudo sob o tema Sustentabilidade, a partir de um trabalho de comparação de materiais, meu ponto de partida foi comparar embalagens de vidro e de plástico. Para realizar o trabalho elegi o estudo de caso do copo de requeijão, o qual, devido ao produto (queijo tipicamente brasileiro, independente de marcas), ao material (vidro) e à forma da embalagem (copo) foi por muitos anos reutilizado pelo consumidor. No entanto, mais de 80% das embalagens do produto já foram substituídas por embalagens de plástico. Trata-se de um fenômeno único, que, neste exato momento, está num processo de transformação que não passa despercebido ao consumidor.
Desde o início houve grandes problemas de falta de informações sobre o tema. Qualquer brasileiro conhece e sabe como é comum o reuso de copos de requeijão. No entanto, por ser um uso econômico e improvisado de uma embalagem que teoricamente é feita para descarte, não há provas de que esse uso existe, nem estatísticas sobre isso.
Num primeiro momento, foi realizada uma pesquisa formal sobre o tema, com empresas produtoras de requeijão e profissionais do segmento de embalagens que trabalharam na substituição pelo plástico . As empresas não levantam dados sobre o reuso da embalagem, pois apesar de cientes do fenômeno, não demonstram real interesse no que possa acontecer com o copo depois de vendido o requeijão. Foram constatadas 3 razões principais para a mudança para o plástico: facilidade de transporte, ações judiciais por conta de cacos de vidro dentro do produto, e, principalmente, menor custo . As marcas que ainda mantêm copos de vidro possuem preço mais caro na gôndola e o fazem por saber que seu consumidor prefere o copo de vidro, associando-o a um produto tipo “A”.
Sem maiores dados oficiais, a pesquisa seguiu com uma aproximação informal ao tema. Constatou-se no Orkut (maior site de relacionamentos do Brasil) que 72 comunidades - agrupando cerca de 30 mil pessoas - mencionam “copo de requeijão” em seu nome, sendo grande parte, e especialmente a maior delas, diretamente ligada ao reuso do copo: “Eu bebo no copo de requeijão” possui mais de 19.200 integrantes.
Percebeu-se que a substituição do material da embalagem já gerava polêmica no Orkut, e que a mudança era mencionada isoladamente na mídia, principalmente a digital. Isso constatado, decidi maximizar a situação, divulgando na internet um blog que declara a “ameaça de extinção” do copo de requeijão, e pede colaboração pública para comprovar o reuso da embalagem através do envio de fotos e textos. O “Projeto Requeijão” – www.projetorequeijao.blogspot.com.br - seria uma forma de registrar o fenômeno antes que ele desaparecesse.
Este projeto foi divulgado principalmente via email, com ajuda de alguns blogs e um site especializado em design . No primeiro mês, quando se realizaram votações em enquetes online, o blog teve quase 1.000 visitantes, e foram recebidas por email mais de 100 reações diretas. São alguns dos resultados das enquetes do blog:
- 57% dos participantes, diante da ameaça aos copos de requeijão, acreditam que a melhor atitude é boicotar as embalagens ruins de plástico.
- 50% diz que joga fora e não reaproveita as novas embalagens de plástico.
- 61% pagaria mais caro por um copo de requeijão melhor.
Entre as reações que foram postadas no blog, percebi que algumas pessoas se interessavam em discutir sustentabilidade, porém a maioria dos participantes estava mais interessada em falar sobre sua relação com o copo, para de fato registrar o valor que a simples embalagem adquiriu em sua rotina.
Paralelamente à pesquisa com o público, foi realizado um estudo sobre os materiais plástico e vidro. Através de consultas a órgãos internacionais e outras fontes de avaliação de sustentabilidade, foi possível comparar as qualidades e limitações dos materiais enquanto embalagens. Surgiu aí uma direção oposta e inesperada: em diversos estudos prova-se que, ecologicamente, é preferível utilizar embalagens plásticas a embalagens de vidro. Num contexto ideal, ambas podem ser recicladas, certamente, num futuro próximo, o plástico poderá ser obtido em fontes renováveis e, mais que o vidro, apresenta facilidades de transporte, estocagem e segurança, sem perda de funcionalidade no manejo do produto.
Entretanto, sabendo que o plástico biodegradável ainda não é uma realidade, quando vemos na prática o valor de reuso que uma embalagem de vidro como o copo de requeijão pode adquirir e notamos que há uma função cultural deste objeto - preferido pelos usuários - voltamos à questão básica do trabalho: o que é sustentabilidade?
Resultado da Pesquisa
Se, por um lado, temos ferramentas objetivas para definir o grau de sustentabilidade de uma embalagem ou um material, por outro não temos estatísticas ou sequer métodos para mensurar o valor psicológico ou cultural de um objeto. Despretensiosamente, devido ao método adotado e através dos depoimentos e imagens coletados, abriu-se uma larga discussão, que levou em conta valores, natureza, tempo e hábitos.
É importante colocar também que, no caso do copo de requeijão, o modo como foi substituída a embalagem de vidro pela de plástico é determinante para a rejeição desta última. Houve redução na quantidade do produto e, em certos casos, até modificação na fórmula do requeijão. Porém, mais significante que isso é constatar que o design do copo de vidro foi simplesmente “copiado” em outro e menos nobre material, sem uma reformulação substancial da forma num novo contexto. A adição de uma tampa, como foi feito, poderia realmente resolver o problema da transição, porém o resultado é um híbrido de copo e “tapeware”, que não supre de fato nenhuma das funções com a qualidade que tínhamos anteriormente no copo de vidro.
Na escala estudada, exemplos de embalagem-objeto não são muitos, sendo o reuso uma das atitudes mais ecologicamente corretas da atualidade e, o copo, um verdadeiro símbolo de brasilidade por seu conteúdo e apropriação. Neste caso, onde o objeto é a embalagem reutilizada, pode-se dizer que a embalagem possui valor equivalente ou até maior que seu conteúdo.
Ressalto a dimensão extraordinária que o copo de requeijão em seu reuso tem na vida dos brasileiros. É emocionante ver como algumas pessoas descrevem sua apropriação do objeto, que é visto como de uma beleza informal, altamente funcional e por vezes insubstituível. Esta atitude é muito rara numa sociedade que preza o consumo e banaliza o descarte. Ver manifestações espontâneas sobre um objeto aparentemente sem valor e poder documentar com acesso democrático foi uma oportunidade muito especial.
O blog na internet também deixa uma documentação para o futuro, mostrando o objeto representado pelos próprios usuários e trazendo textos que explicam como as pessoas se relacionam com o copo e com o impasse da substituição de materiais .
Fim do Trabalho?
O trabalho, por fim, pretendia definir qual era a embalagem mais adequada para o copo de requeijão e comunicar esta escolha através do design do produto. Com os resultados obtidos foi feita uma proposta para o atual momento de transição. Já que se considera mais importante o valor da discussão iniciada, a idéia é imprimir no copo de vidro frases coletadas no blog e o endereço do mesmo, conectando assim a mídia online/ atemporal com a mídia que circula e é o próprio objeto de discussão: o copo. Esta proposta embasa-se nas próprias contribuições do blog, onde é possível notar que as pessoas gostam e valorizam copos “personalizados”, em que há imagens impressas, geralmente com temas bem brasileiros (times, obras de arte, personagens, pontos turísticos, etc.)
As frases serão impressas de modo a estimular o reuso do copo, já que, quando contêm requeijão são quase ilegíveis, mas quando contêm outros líquidos (reuso) fazem-se nítidas. Com a possibilidade de conter também o nome dos autores das frases, a “edição limitada” pode alimentar ainda mais o processo, incentivando as pessoas a participarem do blog com a possibilidade de terem um copo com uma contribuição sua.
Fica claro que, para nós, o mais interessante é envolver os atingidos nesta substituição e ampliar a discussão para as mais diferentes esferas. Esperamos conseguir em breve implementar o projeto. Ao colocar o debate em pauta, ganhamos todos os envolvidos na situação. Especialmente na área de design, mais conhecida por “estilo” e “novidades”, o debate realça essas outras questões que são tão ou mais importantes na área: cultura, sustentabilidade, comunicação.
Andrea Bandoni é arquiteta pela FAUUSP e atualmente cursa Mestrado em Design na Design Academy Eindhoven. andreabandoni@gmail.com